quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Lazer em todos os Tempos

Lazer E Turismo !


turismo
Neste artigo procurou-se delinear as imagens do Brasil mediadas por guias de viagens publicados no exterior, na tentativa de comparar a imagem atual do país ,divulgada nesse tipo de mídia, com antigos relatos de viajantes estrangeiros que aqui estiveram entre os séculos XVI e XIX , e desta forma verificar se a imagem consolidada do país por esses relatos ( conforme pode-se verificar em artigos anteriores)2 ainda permanece no discurso midiático atual.

Atualmente, existe uma gama considerável de guias de viagem voltados para o mercado turístico. Segundo a revista Veja, só no mercado editorial brasileiro circulam cerca de 500 guias importados3, cada um deles com características próprias que vão ao encontro das necessidades de seu público consumidor, o que muitas vezes transforma-se em sinônimo de estilo de vida.

Os critérios para trabalhar com guias de viagem basearam-se em duas premissas: a primeira é o fato de os relatos e dos guias de viagem possuírem características em comum, ambos são escritos por estrangeiros que permaneceram por períodos consideráveis no Brasil e que têm ou tinham por objetivo apresentar quase todos os aspectos do país de forma neutra, isenta de julgamentos para outros possíveis viajantes.

Assim, uma análise do discurso dos guias de viagem se faz necessária e importante, pois eles captam, transformam e divulgam informações. De acordo com Bethania S.C. Mariani, quando um discurso objetiva a neutralidade "é preciso considerá-lo do ponto de vista imaginário de uma época: pois irá se comportar como uma prática social produtora de sentido, como também, direta ou indiretamente, veiculará as vozes constitutivas daquele imaginário."4

Com relação à segunda premissa, esta considera a popularidade de ambos -relatos e guias- em suas respectivas épocas, e conseqüentes divulgadores de estereótipos5 sobre o Brasil que resgatam, desse modo, o discurso fundador contido nos relatos dos viajantes.

Assim, ao observar a importância dos guias no atual mercado editorial decidiu-se por três: Fodor’s, Lonely Planet e Footprint Handbook , por acreditar que como guias formadores de opinião, eles exercem grande influência na imagem que o estrangeiro faz do Brasil. O recorte para análise privilegiou as seções que apresentam o Brasil e não as seções que descrevem os Estados separadamente, já que o objetivo é obter a imagem do país como um todo.

O guia Fodor’s é de origem norte-americana e possui mais de 700 colaboradores -para a elaboração das informações- ao redor do mundo, publicou mais de 14 séries e 440 guias de viagem, além de, em 1996, ter lançado um site com fóruns de discussão, dicas de viagem, histórico, publicações, etc. O guia é recomendado pela ASTA (American Society of Travel Agent ).

No que se refere ao Brasil, o Fodor’s está em sua primeira edição, lançada em 1999, e até o presente momento (2003) não possui uma versão mais atualizada. De acordo com a própria editora, "o guia sobre o Brasil só foi lançado recentemente, porque somente nos últimos anos está havendo uma campanha forte dos atrativos brasileiros no exterior."

No que diz a análise o Fodor’s encena um Brasil acomodado, que se interessa apenas por assuntos amenos e pouco interesse dá às questões políticas, sociais e/ou ambientais, o que é facilmente constatado no trecho abaixo:


“O jogo contra a França para a decisão da Copa do Mundo de 1998 ia começar quando o super star do futebol Ronaldo teve um ataque epiléptico e não pode jogar. Os brasileiros reagiram como se um terremoto tivesse acontecido. (...) Uma catástrofe nacional, o incidente monopolizou a atenção pública e privada no Brasil por vários meses”



Ora, o jogo de futebol é em todo o mundo uma amenidade, apesar de seu valor profissional e das altas negociações que o envolvem, exceto para os próprios jogadores que fazem desse esporte uma profissão, para todo o resto é considerado uma opção de lazer. As pessoas vão assistir aos jogos para se distrair, precisamente. Portanto, ao enfatizar que “os brasileiros reagiram como se um terremoto tivesse acontecido”, o guia apresenta o brasileiro como um povo que dá muita importância a assuntos considerados não importantes, afinal as conseqüências de um terremoto são traumáticas.O fato ganha mais peso quando o guia diz que o acontecimento “monopolizou a atenção pública e privada por vários meses”, por que, afinal, algo só monopoliza a atenção de todo um povo quando de fato é muito grave e importante, como está acontecendo atualmente com a invasão do Iraque pelos Estados Unidos.

A sugestão de que o brasileiro valoriza demasiadamente as festas, deixando em segundo plano o trabalho, é explícita no seguinte trecho:


“O Carnaval é a maior festa do ano. Em alguns lugares, os eventos começam logo após o Ano Novo e continua além dos quatro dias principais com pequenos festins e festividades. No auge do Carnaval o comércio fecha em todo país, como é costume dos brasileiros (...) e vão para as ruas dançando e cantando.”



O comércio é fechado e segundo o trecho acima, isso é algo tão forte no país que já se tornou um costume. Ora, costume do ponto de vista social é algo que se impõe aos indivíduos de uma sociedade e passa a ser transmitido através das gerações. E quando se fala em transmissão de geração para geração, vislumbra-se algo contínuo no futuro, ou melhor, atitudes que, com o passar das décadas e em alguns casos dos séculos, sempre vão existir. Desta forma, pode-se entender que deixar de trabalhar (fechar o comércio em todo país) e preferir dançar e cantar no carnaval é algo que não vai mudar no Brasil. Além disso, de acordo com o guia, a festa continua muito além dos quatro dias principais.

Assim, verifica-se um retorno às mesmas características, com relação ao povo, apresentadas nos relatos dos viajantes do passado, quando estes fazem referência ao ócio dos habitantes da terra (os indígenas). A questão da preguiça, o reverso negativo do ócio, sempre citada em relatos de épocas anteriores, também aparece no discurso do Fodor’s: “O ritmo de vida devagar na maior parte do país reflete uma apreciação pela família e pelas amizades (...) sabendo disso você irá entender por que as coisas demoram um pouco para serem feitas.” Assim, vislumbra-se um povo que passa a maior parte do tempo conversando mais do que trabalhando e, em conseqüência disso, o ritmo de vida é lento. Entretanto, essa preguiça é considerada com certa tolerância e parece mais um “dolce far niente”6

As praias aparecem como um espaço de socialização cultural já que: “Desde crianças até mulheres em minúsculos biquínis – chamados tangas - e as sungas dos cidadãos de idade, a cultura da praia seduz a todos.” Ou seja, ficar na praia seminu é uma questão de cultura no Brasil, o que por sua vez seduz a todos. Neste a todos, pode-se ler “seduz aos estrangeiros”, já que se isso é uma cultura nacional não tem como seduzir ao povo que já está acostumado, e sim seduz aquele que vem de fora e se deixa levar.

Entretanto, de alguma forma, a parte selvagem e antropófaga desse povo aparece quando os turistas sofrem algum tipo de violência; mais uma vez o estrangeiro é atacado:


"A maioria dos turistas relata que os crimes ocorrem em áreas públicas cheias: praias, calçadas ou praças, estações de ônibus (e nos ônibus também). Nestas áreas, os trombadinhas, geralmente jovens crianças, trabalham em grupo. Um ou mais irão tentar distrai-lo enquanto os outros pegam sua carteira, mala ou câmera (...) e embora eles pareçam jovens podem ser perigosos.”



Apesar de afirmar que as crianças podem ser perigosas, essa periculosidade é automaticamente amenizada pelo próprio termo “crianças”, que, simbolicamente, sempre se refere a algo puro e inocente e tão inocente que para assaltá-lo irão tentar “distrai-lo enquanto os outros pegam sua carteira, mala ou câmera” , ou seja, como se fosse uma típica brincadeira de crianças. Em nenhum momento houve referência ao uso de armas que essas “crianças” costumam usar em suas investidas.

O Fodor’s apresenta ao seu leitor, assim, subitamente o reverso do paraíso e os contrastes nele existentes:


"O Brasil é uma terra fabulosamente rica, mas cheia de desigualdades. Você estará sujeito a ver tanto hotéis cinco estrelas e resorts quanto favelas.”



Também os frutos e pratos exóticos são oportunidade para se voltar ao mesmo tipo de discurso, com ênfase na abundância tropical:


“Um leque natural – do maracujá e do mamão até os gigantes peixes dos rios e caranguejos do litoral – que tem inspirado chefs de todo o mundo.”



E, segundo o guia, toda essa abundância tem razão de ser, afinal:


“Comer é uma paixão nacional, e as porções são generosas. Em muitos restaurantes, os pratos são preparados para duas pessoas. (...) Você irá achar pratos exóticos de peixes na Amazônia, pratos africanos condimentados na Bahia e tutu de feijão nas pequenas cidades de Minas Gerais.”



Esse trecho não deixa de fazer alusão aos rituais antropofágicos do passado, nos quais os nativos se deliciavam ao comer os seus inimigos (no caso dos tupinambás). Acrescente-se a isso o fato de o ato de comer estar relacionado à sexualidade, segundo Mary del Priore7. O que é retomado no guia quando diz que “comer é uma paixão.”

À guisa de conclusão pode-se verificar que o Fodor’s apresenta um Brasil exótico sim, no que diz respeito à natureza, mas não extravagante. Ou seja, um paraíso tradicional, calmo, que não apresenta muitos perigos, pois a natureza não é tão agressiva. E apesar de ressaltar também a generosidade dos alimentos, tão natural em um paraíso, o aspecto mais evidente da apresentação do Brasil no guia é o povo brasileiro. Ou seja, o Fodor’s prioriza a imagem do povo, seja relacionando os aspectos físicos do país com os do povo ou descrevendo suas reações mediante um jogo de futebol, o fato é que o brasileiro é a personagem principal da apresentação do país.

Já a próxima análise foi realizada no “Footprint Handbook”, guia que surgiu em 1921, de origem britânica. A partir de 1990, o Footprint passou a publicar seus guias em séries. Atualmente, encontra-se em mais de 120 países do mundo, mas sua sede continua sendo em Bath, Inglaterra, onde os guias são concebidos e finalizados.

Com relação ao Brasil, somente em 1998, ao perceber uma maior procura por parte do público, a Footprint decidiu lançar um guia que falasse apenas sobre o país (antes o Brasil fazia parte dos guias que falavam sobre a América do Sul no geral). Em 2000, foi lançada a segunda edição do Footprint Brasil Handbbok, sendo que a próxima não tem previsão para ser lançada.

Ao analisarmos o discurso do Footprint pode-se verificar, como no caso do Fodor’s, que novamente o brasileiro é aqui apresentado como um indolente, só que, desta vez, de forma muito mais explícita:


"Para os brasileiros trabalhar, embora obviamente necessário, está muito mais em segundo plano do que aproveitar seu tempo livre assistindo uma partida de futebol, batendo papo com os amigos em um bar da vizinhança, ou improvisando uma sessão de samba que pode ocorrer em qualquer hora e em qualquer lugar.”



De fato, a informação de que “uma sessão de samba que pode ocorrer em qualquer hora e em qualquer lugar”, conota que o brasileiro é capaz de largar tudo por um momento de lazer.

No Footprint a tendência do povo para as festas e o lazer, juntamente com a indolência, está extremamente relacionada à sexualidade com aspecto lascivo, como se vê abaixo:

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